sexta-feira, 12 de julho de 2019

Márcio Schlindwein - Dia D

O entrevistado desta semana é Marcio Narbal Schlindwein, nascido em Brusque a 20 de abril de 1967. Filho de Nivert Nilton Schlindwein e Eni Vanunci Schlindwein. Casado há 29 anos com Eliane Roseli Marchi Schlindwein, apenas um filho:Enzo Marchi Schlindwein.
Torcedor do Clube de Regatas Flamengo, contrariando o pai e irmãos, todos Botafoguenses.
Curiosamente, quando criança fui abordado por um flamenguista, em uma venda no Distrito de Arataca, que me ofereceu um casal de angulistas se eu virasse rubro-negro. Resumo da ópera: não ganhei os pássaros e troquei de time. Acertadamente sou achincalhado até hoje, "vendido por uma galinha-da-angola". Não recebida, para piorar.


Como foi sua infância ?
Minha infância foi no interior. Meus pais cuidavam da filial da Casa do Rádio de São João Batista, que era uma cidade pequena e pacata nos anos 60 e 70. Cresci correndo atrás de carroça para tirar cana-de-açucar, que ia para a USATI, usina que dominava a economia local. Depois meu pai migrou para o ramo madeireiro, com uma serraria no bairro Colônia, quase em Major Gercino. Aí era estrada de chão, mato, bezerro, o cheiro da tora recém cortada, os mergulhos na pilha de serragem fresca, pomboca de querosena à noite, pois não havia luz elétrica. Gerador, de vez em quando. Lembro bem quando era época de vaga-lumes, os bandos iluminavam a mata. Nunca mais vi nada parecido. 

Vida escolar?
No ginásio fui interno no Seminário de Azambuja por um período que não inteirou um ano, pois não foi uma opção vocacional, e sim uma alternativa para um estudo mais consistente, que se aprimora com a disciplina inerente. Mas foi uma boa experiência, com amigos que encontro até hoje.
Prestei vestibular para o curso de Licenciatura em Música pela Udesc, em Florianópolis, para onde me mudei para uma república de estudantes, onde já residia meu irmão mais velho, hoje biólogo da Universidade Federal de São Carlos-SP. Na universidade tive contato com grandes mestres, e envolvimento na cena musical da capital do estado, tocando em grupos de teatro, festivais, gravações de jingles e como músico de bares. Tive o prazer de poder viajar para me apresentar em Brasília, São Paulo, Pelotas, Curitiba e diversas cidades do país. Como meu curso era no mesmo prédio do de Belas Artes, adquiri o hábito de visitar museus e exposições, e conhecer outras expressões artísticas. Foi durante meu período acadêmico que entrei na idade de me apresentar ao Alistamento Militar, e consegui o impossível: para tentar não cumprir o serviço obrigatório, fui me alistar em São João Batista, onde não residia mais, e me informaram que se encaixaria em "excesso de contingente"; em outras palavras, se safava da empreitada. Ledo engano. Na metade do ano de 1985, estava fazendo um estágio pela Universidade em Praia Grande, no sul do estado, onde a UDESC possuía um Campus, quando recebi uma correspondência urgente para me apresentar à Junta Militar da Capital, onde constatei que meu genial plano havia sido obviamente descoberto. E assim engrossei as fileiras de nossas Forças Armadas por um ano, na 14ª Brigada de Infantaria Motorizada, em Florianópolis, até hoje situada num belíssimo local na Rua Bocaiúva, Quartel General do Comando Militar do Sul, onde encerei muito o assoalho.

Como retrataria a experiência militar?
Ao contrário do que me parecia, a experiência do serviço militar nos apresenta oportunidades ímpares, seja no convívio, disciplina, organização, ou mesmo no contato de manejar equipamentos e armamentos específicos. Como era estudante de nível Superior, servi como Ordenança do capitão da Companhia e fui liberado para ir a Faculdade na parte da manhã. Desse período só trago boas lembranças, e amigos que organizam encontros até hoje. Provavelmente por este episódio, adquiri interesse pelos conflitos mundiais, nossas Grandes Guerras, que muitos historiadores afirmam ser uma só, com um intervalo grande no meio. Fui paulatinamente montando uma pequena biblioteca sobre o tema, entre meus favoritos "O Piloto de Hitler-A via e a época de Hans Baur", pois une minha outra paixão, que é a aviação. Sou plastimodelista aéreo militar estático, ou seja, monto e reproduzo aviões que participaram do conflito, em esquadras e períodos específicos, o mais fidedigno possível dentro das minhas limitações. Em viagens anteriores á Europa visitei alguns locais emblemáticos na Itália (subterrâneos de Nápoles), Áustria (Salzburg) e Alemanha (Munique, Nuremberg e Colônia), todos riquíssimos em acervo e referências.

Quanto ao dia D?
Neste ano de 2019, completaram-se 75 anos do Dia D, operação gigantesca de desembarque dos países aliados na tentativa de deter o avanço do nazismo na Europa. Um enorme contingente de admiradores estaria presente, além de autoridades e sobreviventes do evento. Com algum planejamento preliminar, após passar por Portugal e sul da França, desembarquei em Caen, na Normandia. Havia vindo de Toulouse a Paris em um trem noturno, em cabine privada com beliches, junto com minha esposa. Da capital francesa ao nosso destino mais duas horas nos trilhos. Após nos instalarmos, nossa anfitriã nos informa que teremos que conseguir um salvo-conduto, um tipo de "passe" para podermos circular, pois os presidentes americano e frances iriam estar na cidade, com inúmeras outras figuras e primeiros-ministros com seus guarda-costas. Após uma tarde de peregrinação na Prefeitura e Central de Turismo, descobrimos que o passe era apenas se fossemos visitar as praias do desembarque e locais das cerimônias no dia 06, o que logicamente abri mão. Helicóptero para lá, comitiva presidencial para cá, ficamos descobrindo os vinhos e apreciando o local. No dia seguinte, evento cerimonial no Castelo de Caen, com gaitas de fole e veteranos. Resumidamente,a cidade foi profundamente marcada pelo episódio de 1944, pois na época a arma mais eficaz eram os bombardeios aéreos, que não discriminavam os alvos. Se era necessário enfraquecer as defesas alemãs em determinado local, os efeitos colaterais para os residentes eram terríveis. O preço em vidas humanas foi altíssimo para todas as partes envolvidas. Alguns locais e igrejas não foram reconstruídos propositalmente, para se ter uma pequena noção da destruição. Uma visita ao MEMORIAL DE CAEN é um mergulho reflexivo na história, um aviso para as próximas gerações evitarem a guerra.
No dia seguinte, as famosas praias do desembarque, entre elas Omaha Beach e Utah Beach, todas codinomes usadas para a Operação Overlord. O dia estava belíssimo, e no Cemitério Americano em Colleville-sur-mer , aeronaves que participaram da segunda guerra e frotas modernas faziam sobrevoos a todo instante. Ao longo do litoral inúmeros veículos originais do conflito trafegavam, um evento inesquecível e tranquilo,  homenageando um momento de grande sacrifício em prol da liberdade. Para coroar a programação, a Patrouille de France, a esquadrilha da fumaça francesa, estava se apresentando em Longues-sur-Mer, onde estão as baterias costeiras alemãs. Fui embora com vontade de voltar. Otimo sinal. 












Finalizando
Há alguns anos adotei como hobby o plastimodelismo, ao qual dedico diariamente algum tempo, considerando que um modelo leva no mínimo 150 horas de trabalho para ser finalizado. Também concilio com amigos de longa data o gosto por um estilo musical não muito difundido, porém extremamente gratificante de executar, o chorinho, e aí se vão alguns anos de ensaio e diversão, nos encontrando semanalmente.
A passagem do tempo leva todos à reflexão: porque alguns já partiram, as vezes com tantos sonhos e responsabilidades? Qual o sentido de toda essa jornada? Como bom brasileiro, fruto da miscigenação de diversas culturas, fui apresentado a muitas crenças, da benzedeira ao Monsenhor; todos tem seu lugar na formação de minha fé e não descrimino nenhum caminho. O fim é sempre o mesmo, uma luz neste inevitável túnel que todos estamos atravessando.
Trabalhando há 29 anos na Lanchonete da Rodoviária de Brusque, tento tratar com respeito funcionários e clientes, como eu gostaria de ser tratado. Sempre consciente que tenho ainda muito a aprender, tento ser um bom exemplo para meu filho e um bom companheiro para minha esposa. 



Referências: publicado no blog luizgianesinientrevista.blogspot.com.br aos 12 de julho de 2019.


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